segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Detector de Olhar

Ela só veio ajudar. A tecnologia veio diminuir distâncias, aproximar países, melhorar e muito a qualidade de vida das pessoas. Acontece é que nem sempre permitimos que ela cumpra seu papel positivo, e em vez de aproximar ela isola, em vez de melhorar ela dificulta. Bom, mas este não é o foco dessa conversa. Aliás, focar é o que quero. Voltando à tecnologia, o que dizer então das barreiras que ela derruba para as pessoas com deficiência. São os sintetizadores de voz para ler a tela, mouses especiais, bonés com detector de obstáculos na altura da cabeça, cadeiras de rodas movidas a sopro pra quem não mexe os braços, aparelhos auditivos. Quanta gente não veio me contar da reportagem que mostrou, exatamente na época do meu apagão, uns óculos que devolvem a visão, ainda em preto e branco, por meio de um pequeno aparato em contato com a língua! Uma bizarrice assim. Minha irmã, antenada com as novidades da Europa, já me contou de uma versão mais evoluída: uns óculos que, por meio de um chip implantado no cérebro, permitem a visão colorida. Enquanto o invento em testes não chega por aqui, e por um preço acessível (sonhar ainda está saindo barato...), eu me contentaria com óculos diferentes, e certamente menos custosos. Tudo o que eu quero são óculos que me dêem um alerta, de preferência vibratório (pois de apito o mundo já está cheio), sempre que outros olhos estiverem pousados nos meus; sim, óculos detectores de olhar, que sinalizasse pupila com pupila, que me informasse que a qualquer distância tem alguém me olhando nos olhos. Porque quero retribuir, porque quero acolher com um sorriso, porque preciso saber se estou sendo encarada de frente (pleonasmo proposital), porque quero saber se meu interlocutor está focado em mim, porque não quero falar olhando para o nada. Se a briga é por direitos iguais, se nós, que não enxergamos, temos o direito de também ler todos os textos do mundo, e pra isso o Braille, os leitores de tela, os mini scanners de mão com sintetizadores de voz, que ainda chegarão no mercado, por que não teríamos o direito de ler os olhares? Esses nossos tempos que carecem tanto de conversas sinceras, esses nossos tempos corridos que quase não dá tempo de sentar com uma pessoa querida só para conversar, olhos nos olhos, esses nossos tempos em que a tecnologia- (opa, olha ela aí de novo!), pois é, a mesma tecnologia que veio aproximar, fechou as pessoas em seus netboocks, celulares, i-phones. E aí, cada vez mais conectadas com o mundo, as pessoas se desconectam do que está tão perto, do que está diante do seu nariz, do que está ao seu lado. “Do que está ao lado? Tem alguma coisa ao meu lado? Ah, sim, tem alguém ao meu lado.” E olha que engraçado: para se sentirem menos sozinhos em suas ilhas tecnológicas, os seres humanos tentam humanizar a tecnologia; as vozes sintetizadas são cada vez mais humanas e expressivas, atendimentos eletrônicos cada vez mais interativos e inteligentes (embora com sérias limitações auditivas na maioria dos casos: “Não entendi.” “Qual o nome que você disse?”). Enfim, se para qualquer pessoa tem sido raro os olhos nos olhos, para quem não enxerga este contato não existe, e eu sinto falta dele. As conversas já são tão distraídas, são tantas as ofertas e chamados por toda a volta; a concorrência é desleal: é a televisão com sua velocidade alucinante, são os letreiros com luzes e cores bem mais interessantes que as nossas, é o celular que vibra no bolso só pra avisar que a bateria está fraca ou pra fazer um lembrete qualquer, é a peripécia de um outro motorista no trânsito caótico, é a figura exótica ou o modelito ousado de uma lambisgóia qualquer; tudo grita por atenção, tudo se fabrica para atrair o maior número de olhares possível. E assim fica difícil saber quando o foco está em você, que está falando e falando. E se você não pode ver onde estão os olhos de seu interlocutor, piorou. Assim como um “entendo” ou um “hum” não são garantia de atenção, o olhar somente também não diz tudo. Posso estar de olhos fixos em você e pensando no capítulo de ontem da novela. Mas juntando minha audição, com my Glasses look detector Vibrator Taba-Sara, mais minhas outras formas de perceber o outro, minha comunicação pessoal estaria muito melhor estabelecida. Claro, para quem não enxerga, as conversas fluem melhor num ambiente mais calmo e silencioso. Mas é que diálogos espontâneos, e muitas vezes os mais longos e preciosos, surgem a qualquer momento, qualquer local. Não dá pra marcar hora nem lugar silencioso pra contar o que acabou de me acontecer, pra contar o que senti agora, pra contar uma idéia que acabei de ter ou algo que acabou de me encantar.
Com meus óculos vibratórios eu poderia não só estar mais confiante em um diálogo, mas também me faria feliz ter a autonomia de buscar e encontrar o olhar de alguém, e me fixar nele, e procurar por outro ângulo se a pessoa fugir o olhar de mim, e brincar de bater um sério, e paquerar (é claro que as piscadelas também seriam sinalizadas, breves interrupções na vibração dos óculos as revelariam). Vibro inteira só de imaginar como é sentir de novo que alguém tem os olhos nos meus olhos. Mesmo que por vezes fosse inevitável a sensação de ter um celular em desatino vibrando sem parar na cabeça, como resposta a uma longa troca de olhares, vou seguir sugerindo o invento. Se já temos câmeras fotográficas detectoras de sorriso, não devemos estar longe da minha idéia.


Um comentário:

  1. Sara
    Enquanto você busca um detector de olhar, para muitas pessoas tem sido raro os olhos nos olhos como você diz. Talvez por medo do "sofrimento que as clarezas trazem", como diz Marcos Noronha na poesia "Festa do Claro" Nós que podemos enxergar e conseguimos ver tão pouco, precisamos de um detector para esses medos.
    Fique com Deus
    Abraços meu e do Cirilo pra você
    Dalva

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