quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Indo Pelo Ralo

Vocês conhecem o piso tático? Eu também não conhecia não, até que ontem um funcionário do metrô de São Paulo, muito gentil, tentou me apresentar a ele, quis até me ensinar como usar, mas obrigada, moço, eu prefiro o piso TÁTIL. Esse vocês conhecem, não é? Piso tátil é aquela pista emborrachada que faz relevo no chão, onde as bonitonas vivem virando o salto. Mas na verdade ele tem uma finalidade mais nobre, o piso tátil é um recurso que, quando bem instalado, serve para orientar o trajeto de pessoas com deficiência visual. Hoje em dia ele é facilmente encontrado nas agências bancárias, estações de metrô e rodoviárias dos grandes centros, e muita gente passa por ele sem nem saber do que se trata. O piso tátil, ou piso podo-tátil, apresenta bolinhas, ou quadradinhos, ou alguma outra forma em relevo para que a pessoa sinta com o tato dos pés ou mesmo das mãos, por meio da bengala. Ele costuma ser de alguma cor bem contrastante com o chão, para facilitar a vida da turma com baixa resolução de imagem.
Mas espera aí, se a questão é sentir com o tato dos pés e da bengala, não seria então todo piso um piso tátil? Sim, todos os diferentes pisos e suas texturas podem ser percebidos com o tato, de qualquer pessoa; a diferença é que o piso tátil é colado no chão de modo a indicar uma trajetória fixa, conduzindo para pontos chave do local, como saídas, entradas de elevador e escada, caixas no caso de agência bancária, faixas de pedestre no caso de calçadas. Geralmente é algo muito eficaz. Eu disse geralmente, e não sempre; se a idéia é orientar a galerinha por um caminho seguro e livre de obstáculos, o piso tátil jamais deveria ser colado rente a uma pilastra de dois metros de diâmetro, como acontece na rodoviária nova de Campinas por exemplo, aquela rodoviária moderna, bonita, ampla, elegante, e que quer deixar os cegos com uma deficiência amais com uma trombada naquela pilastra monstro. E lá não é problema o espaço, do lado oposto à pilastrona são metros e metros de área livre. Por caridade, minha gente, recursos como este são pra ser implantados com inteligência. Em algumas estações de metrô também acontece uma coisa divertida: você vai caminhando bem feliz pelo seu piso tátil, pensando “Que bom que existe um recurso como este e que pensaram em pessoas como eu.” E de repente, fim da linha, o piso tátil acabou. E aí onde você está? Ele não te conduziu para nenhuma saída, nem escada, nenhum portal mágico. E aí essa é aquela hora em que você grita, ou senta e chora, ou espera outro ceguinho chegar até ali para baterem um papinho até chegar alguém que possa ajudar, você escolhe.
Agora que vocês já sabem para quê serve, nada de obstruírem o caminho tátil da moçada do apagão e da baixa resolução nos metrôs, rodoviárias, bancos, calçadas. E se você planeja instalar o piso tátil no seu estabelecimento, na sua empresa, na sua escola, faça isso, além de ser um direito nosso, você não imagina quantas pessoas poderão transitar com mais autonomia e dignidade pelo seu espaço. Mas não deixe de buscar orientação para que o recurso seja realmente útil. E só mais uma coisinha: se você tiver no seu espaço um ralo, certifique-se de que ele não será confundido com o piso tátil. Certa vez minha irmã gêmea, Letícia (ovelha negra da família, só paga mico...), andava com amigos pelo Centro Cultural São Paulo, ambiente comprometido com a acessibilidade e a inclusão, e desprendeu-se deles para caminhar com autonomia na faixa comprida e escura, contrastante com o chão clarinho, cujo relevo ela podia sentir com a bengala. Era um relevo mais sutil que dos pisos táteis que ela conhecia, pareciam pequeninos vãos sucessivos, algo que lembrava uma grade, mas a largura era igual. Os amigos chamavam: “Vem cá andar com a gente!” Mas ela respondeu, cheia de independência e sorrisos: “Não, obrigada, eu to tranqüila aqui no piso tátil.” Seu amigo Júlio Pires deu uma gargalhada bem sonora e revelou baixinho, aproximando-se dela: “Isso aí é o ralo.” Poxa, eu estava tão feliz, ops, ela, a Letícia, estava tão feliz com um raro momento (ou um momento ralo) de autonomia numa caminhadinha que nem se deu conta. Não sei pra onde aquele ralevo, ai caramba, aquele relevo iria levar, mas que naquele momento estava resolvendo seu problema, isso estava. Ralos táteis, pisos táticos, toda tática e todo recurso que vier para ajudar com responsabilidade será sempre bem vindo!

Um comentário:

  1. acredito que não é só as madames que não gostam da pista tátil não. porém é de suma importância para a localização dos cegos; bom isso quando os leva para a entrada ou a saída, mas muitas vezes os leva para alugar nenhum no meio do nada.

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