terça-feira, 17 de agosto de 2010

Bonzinhos e Pequenininhos

Ontem estávamos viajando tranquilamente, eu e Izadora (minha bengala), quase babando quando o ônibus, São Paulo – Volta Redonda, foi parado pela Polícia Federal. Está virando rotina, praticamente toda semana eles têm revistado a bagagem de todos os passageiros. Aliás, quase todos... Após verificar a bagagem do senhor ao meu lado, o policial perguntou, provavelmente apontando minha mochila à frente dos meus pés:
-Essa também é do senhor?
E o passageiro respondeu:
-Não, essa é da moça "dificiente" aí do lado.
Percebendo que o negócio era comigo, ergui rapidamente a mochila e perguntei ao policial:
-O senhor quer abrir?
No que ele respondeu solícito:
-Não, não precisa, não precisa.
-Como não precisa, moço? Cadê os direitos iguais? Toda semana vocês param o ônibus, me acordam, olham a bagagem de todo mundo menos a minha, já estou cansada dessa discriminação!
Mentira, não falei nada disso, o diálogo terminou na frase do policial me isentando da revista. Mas se não fosse realmente tão transtornante ter a mochila revirada por alguém, e se não fosse pela alegria dos demais passageiros em economizarmos tempo com uma bagagem a menos para ser revistada, eu teria dito. O que não consigo entender é porque as pessoas têm a idéia de que os "dificiente" estão acima de qualquer suspeita. Há uns anos um chefão do tráfico de Brasília foi pego, e, para a surpresa de todos, ele era cadeirante. Tadinho, não prende ele não. Será que algum brasiliense falou assim?
E por falar em tadinho, que pessoa com deficiência nunca foi a um lugar onde a trataram com diminutivos o tempo todo? Curiosamente, isso acontece muito nos hospitais, consultórios médicos, laboratórios e afins. Deve ter alguma disciplina na faculdade de medicina e odontologia que ensina que os cegos, surdos, cadeirantes e pessoas com deficiência intelectual são todos crianças, mesmo que tenham dois metros de altura, trabalhem, estudem, tenham esposa e filhos. Outro dia mesmo fui a um laboratório tirar um sanguinho e a mocinha dizia: “põe o bracinho aqui, fecha bem a mãozinha, não vai doer nadinha, ta bom?”. E respondo, em pensamento: “Ta bom, tia, eu fico boazinha, mas quero um sorvetinho depois.” Pela voz, ela tinha a minha idade ou menos. E não venham me dizer que o tratamento excessivamente carinhoso se dá em resposta ao meu tipinho físico de MM (miúda e magrela), pois eu conheço cego, homem, do tipo duplex, que passa pelas mesmas situações ridículas. Mas é bem verdade que nós, as moçoilas pequenas, levamos desvantagem. Uma amiga querida, colega de apagão, já era inclusive uma jovem senhora quando pediu ajuda para atravessar uma rua movimentada e um homem, muito disposto a ajudar, simplesmente pegou-a nos braços e a colocou na calçada do outro lado da rua. Queria ver se fosse um cego brutamontes, o que o guia tão gentil faria. :D
Mas deixa, deixa eles exercitarem o ladinho maternal deles com a gente, até o diazinho em que nossa pacienciazinha estiver no finzinho e eles ouvirem umas respostinhas bem bonitinhas. Euzinha já tenho uma lista delas para dar! Agora, se vierem apertando minha bochechinha, aí acabaram os diminutivos carinhosos e eu viro bicho!
Então, pra quem ainda pensa que todo cego é bonzinho, e para quem quer dar umas boas risadas e se inteirar um pouco mais do nosso mundo com bastante comédia e ação, recomendo o clássico Cegos, Surdos e Loucos, com Gene Wilder, o da Fantástica Fábrica de Chocolate (o original) e Richard Pryors. Um filminho tipo Sessão da Tarde, dos anos oitenta, mas sempre atual, divertido e até instrutivo. Recomendo muito!

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