sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sem Barreiras

Saras

Pessoaaaaaaal! Hoje é um dia mais que especial, pois hoje estréia a primeira foto do blog! Pois é, blog de cego também tem foto. Parece que os desenvolvedores do blogger ainda não entenderam que nós também nos interessamos pelo mundo da imagem, já que vivemos nele, e ainda não tornaram acessíveis para os leitores de tela alguns botões do blog, como os de postar foto e vídeo. É por isso que ainda não tinha pintado nenhuma fotinha por aqui. E hoje, depois de muito procurar uma alternativa, consegui a façanha com a ajudinha de um editor de blogs do Windows. Os botões do blog continuam inacessíveis, mas essa discussão a gente deixa pra outro dia. O importante é que hoje temos uma fotografia, que ilustra um daqueles momentos da vida que valem por mil.

Para os colegas de apagão, aí vai a descrição da foto: à direita eu (de cabelos escovados, aiai), e à esquerda uma moça negra que vocês já saberão quem é. Estamos sorrindo, cada uma com um sorrisão maior que o da outra, e estamos erguendo uma das mãos de forma parecida, fechada e perto do rosto. A foto foi tirada na sede brasileira do projeto Solar Ear, em São Paulo. Bom, mas vamos começar do começo: Tudo começou quando um canadense chamado Howard Weinstein perdeu sua filha adolescente no meio da noite, sem nenhum aviso prévio, nenhum sintoma, nenhuma doença. Por acaso ela se chamava Sara. Arrasado, Howard repensou sua vida e resolveu ir para a África e lá fazer trabalhos humanitários. Na escola onde ele passou a trabalhar, foi incumbido de providenciar um aparelho auditivo a uma aluna surda. Por acaso ela também se chamava Sara. Ele se mobilizou para conseguir o aparelho e, ao pegar os dados da aluna para preencher algum tipo de cadastro na hora da aquisição, descobriu que ela nascera no mesmo dia, mesmo mês e mesmo ano de sua filha Sara. É no mínimo de arrepiar, não? Pois é, e Howard viu nisso muito mais que uma coincidência e interpretou o sinal da melhor forma que podia interpretar. Junto de Sara, ele desenvolveu uma tecnologia de carregadores de bateria de aparelho auditivo que utiliza a energia solar. Ali nascia o Solar Ear, que produz aparelhos de baixo custo e econômicos também para o meio ambiente. Outro diferencial do projeto é que a mão de obra na fabricação é de jovens surdos. O projeto tem se espalhado por diversos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, e é a própria Sara quem viaja a esses países ensinando aos outros surdos a tecnologia do Solar Ear.

É claro que o Telelibras foi conferir de perto este projeto encantador. E, para nossa alegria, Sara estava lá, trabalhando e treinando algumas moças surdas brasileiras, em sua última semana no país. Que sorte a nossa! Eu me sentia muito feliz e grata pela oportunidade de conhecer pessoalmente aquela criatura que carrega o mesmo nome meu e que é um instrumento divino de ressignificação não só na vida de Howard, mas na dos surdos mundo a fora (aproximadamente 278 milhões). Como eu queria expressar a ela essa felicidade e essa emoção. Mas eu não a enxergava e ela não me ouvia, eu não falava a língua dela e ela não falava a minha, aparentemente só o nosso nome igual quebrava aquele cenário de diferenças e todas as barreiras possíveis na comunicação. Mas espera aí, sempre há de existir uma solução...

Quando me perguntam por que eu, estando cega, quero aprender a Libras, língua dos surdos, digo que quero poder me comunicar com qualquer pessoa do meu país, independente de qual seja sua língua. O que eu não imaginava era que, poucas semanas após ter iniciado oficialmente meus estudos da língua brasileira de sinais, eu a usaria para me comunicar com uma pessoa tão especial, e que nem é do meu país. É que a mocinha africana é muito inteligente e, em oito meses no Brasil, ficou fluente na nossa língua de sinais. (Ao contrário do que muita gente pensa, a língua de sinais não é universal, cada país tem a sua. No Brasil, a Libras é uma língua reconhecida, e tão oficial quanto o português, e, pensando bem, ainda mais genuinamente brasileira, pois diferentemente do português, nasceu em território nacional.) “Mas como, Sara? Como uma pessoa que não enxerga vai ver os sinais que o surdo faz?” as pessoas querem saber. E é aí que entra um dos sentidos mais poderosos do ser humano: o tato. As pessoas surda-cegas, como foi a famosa Helen Keller, usam diversos métodos de comunicação, todos baseados no tato. No Brasil, um deles é a Libras Tátil. Comigo funciona da mesma maneira, toco nas mãos do meu interlocutor surdo e desvendo seus sinais acompanhando seus movimentos. E foi assim, com essa dança a quatro mãos rompendo o silêncio e a escuridão, que qualquer barreira entre mim e minha xará de Botsuana foi quebrada. Meu conhecimento de Libras ainda é bem básico, mas com a ajudinha do meu querido amigo, e professor de Libras, Fabiano Campos, intérprete presente no momento, pude trocar com ela algumas palavrinhas, ou alguns sinaizinhos, e expressar, diretamente a ela, minha satisfação em conhecê-la. Na foto, o sinal que fazemos com as mãos é o S, de Saras.

Para conhecer mais sobre o Solar Ear acessem: http://www.solarear.com.br


Um comentário:

  1. Muito legal esta história. Deve ter sido uma emoção única! Parabéns pelo blog e os textos!! Beijos!

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