quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Reveillon no banheiro

Passagem de ano. Muita alegria, muita comilança, muita celebração pela chegada de um novo ciclo, muita comemoração por uma oportunidade a mais de realizarmos o que não demos conta ano passado, muita festa, muito foguetório; que maravilha! Sempre curti tudo isso, exceto a parte do foguetório. Lembro do meu falecido cachorrinho, o Petit, no quanto ele sofria com o barulho, e penso em todos os cachorrinhos e pássaros do mundo; penso na imprudência das pessoas e nos tantos acidentes com o manuseio dos foguetes. Mas este ano algo a mais me fez odiar esta maneira de comemoração e me comoveu profundamente: um amigo antigo da família passou uma hora fechado no banheiro de casa com o filho tentando protegê-lo do som do foguetório da virada. Por conta de uma falta de oxigenação no cérebro durante o parto, seu filho, hoje adolescente, tem limitações que tornam diferente o funcionamento de seu corpo e de seu intelecto, e o estouro dos foguetes o deixa à beira de um colapso nervoso, provocando desespero, saltos involuntários de seu corpo e um quase transe. Todo ano é a mesma coisa. Os vizinhos já sabem, já foram gentilmente abordados pelo pai e ouviram seu pedido de que se lembrassem de seu filho e maneirassem um pouco na quantidade dos foguetes, mas um ano se passa e é o suficiente para novamente eles se esquecerem. Será que ainda demora muito para a gente por em prática, mesmo em momentos de aparente alegria coletiva, aquela velha máxima sobre a minha liberdade terminar quando começar o seu espaço? A gente chega em casa, feliz da vida, comemorando qualquer pequena vitória particular, e estaciona o carro com a nossa música preferida rolando bem alto. Paramos em frente à nossa própria casa, mas sem lembrar que na casa ao lado ou em frente pode estar dormindo uma mãe que virou a madrugada tentando acalmar a febre do filho. Tudo bem, a gente entra em casa e então deixa pra ouvir música alta lá dentro. O que fazemos dentro de casa fica entre quatro paredes e é problema nosso com nossa consciência, acontece que o som não vê paredes e voa, muitas vezes mais longe do que imaginamos. Que sons a gente tem produzido em nossa casa? Seja estouro de foguete, seja grito, seja televisão alta, seja a música que for, pode estar enlouquecendo alguém. Que sons estamos produzindo no mundo? Como se já não bastasse a conturbada paisagem sonora da cidade, com o trânsito, com os locutores de loja, com os carros de som, com as britadeiras nas obras, ainda vem a gente buzinando impaciente para o carro da frente, tentando aos berros se fazer ouvir pelo interlocutor do outro lado da linha desse celular que funciona cada vez pior, mostrando a todo mundo na rua como o som do carro é potente. A música pode até ser boa, mas alta, no meio da barulheira, vira só mais um ruído pra poluir. E se for então um daqueles funks de letras violentas e obcenas, desfilando em alto e bom som nos auto-falantes dos carros, piorou, nem a categoria de poluente sonoro merece este tipo de agressão que, na minha opinião, é tão perigoso e nocivo quanto um ato de atentado ao pudor.

O antigo império chinês avaliava o governo, a harmonia e o bem estar de um povo por meio da música e da qualidade do som que este povo produzia. Aplicando o método no Brasil, eu diria que, a julgar pela música que temos ouvido nas ruas e pelo que temos permitido em nossa paisagem sonora, somos uma nação surda... tão incapaz de escutar quanto os vizinhos que não assimilam o pedido de um pai que sofre junto com seu filho durante os estouros do foguetório. Um ano de maravilhosos sons e músicas a todos nós, e que não nos enlouqueçam os sons que ouvimos sem querer e nem nos ensurdeçam mais os sons que fingimos não ouvir.

2 comentários:

  1. menina nem diga, adoro são joão, mas esses fogos poderiam ficar bem longe, a respeito do texto, de fatos as pessoas de uma forma geral não querendo generalizar; esquecem um pouco do outro, onde começa e onde termina o direito e o espaço, tenho um vizinho super barulhento, não consigo ouvir a televisão sem sequer atender um telefonema, é chato e super desagradável.. mas não posso entrar na casa dele é abaixar o som.. e assim vamos vivendo.

    ResponderExcluir