segunda-feira, 27 de junho de 2011

A lição da bola vermelha

A história começou num engano, e nosso engano já começou ali, a caminho da loja de materiais esportivos. Não sei por quê, eu e minha mãe achávamos que a bola terapêutica que eu devia comprar já viria cheia. Chegamos e pedimos a bola. A vendedora trouxe uma caixa tão pequena que pudemos concluir que a bola vinha vazia. Tudo bem. Escolhi uma vermelha. Logo vermelha... Perguntamos: “E como enche?”, e ela respondeu: “Acho que é com bomba de bicicleta, não sei”. Compramos. Era duro ver aquele plástico grosso e maleável todo dobradinho e imaginar que ele poderia ser uma esfera, quase da altura das minhas pernas, que me ajudaria a fazer exercícios físicos, recomendados com urgência para a coluna e circulação. E tal transformação só dependia de uma coisa: encher a bola. Em casa começaram as especulações: bomba de bicicleta, máquina de encher bexiga, posto de gasolina. “Bom, mas se a vendedora falou em bomba de bicicleta, é o que vamos tentar” disse um. “Mas a nossa está quebrada” falou outro. Então pedimos ao vizinho... a dele havia estragado. Ah, lembramos então do vizinho do outro lado... ele não tem mais bomba de bicicleta. E agora? Opa, ainda tínhamos um trunfo: ninguém melhor que o bicicleteiro para ter uma bomba de bicicleta. E quem levaria a bola, ainda “não bola”, até lá? “Levar tudo bem- dizia meu pai –mas como vou trazer essa bola vermelha pela rua? Você não podia ter escolhido uma azul?” A bicicletaria era longe, e não temos carro. Puxa vida, atravessar um bairro carregando uma bola vermelha daquele tamanho... seria mais discreto a melancia no pescoço. Pior que o ridículo, era a falta de jeito para se carregar, caminhando pela rua, um objeto como aquele. E se a bola ainda coubesse numa sacola... é, não faria muita diferença, continuaria sendo uma bola cheia, grande e sem jeito. Recorremos então à idéia do posto de gasolina, que era mais longe ainda. “É só voltar de ônibus” minha mãe argumentava. E meu pai, no contra-argumento, disse “Eu poderia até vencer a vergonha do ridículo e entrar com ela num ônibus sim, mas quem eu acho que não vai conseguir entrar no ônibus comigo vai ser a bola, nem pela janela” Era verdade, nem sabíamos exatamente de que tamanho ela ficaria. Bom, fui fazendo outros exercícios que me ajudassem sem necessidade da bola. Os dias foram passando enquanto nos desdobrávamos pensando em jeitos de solucionar o caso da bola vermelha. Um belo dia, eu estava concentrada em frente ao computador, mergulhada em qualquer assunto de trabalho, quando de repente algo chegou me assustando, quebrando a luz que vinha da janela à esquerda, algo volumoso, enorme e vermelho. Espera aí! Era minha bola vermelha, e cheia! E eu não podia acreditar, olhava e pegava nela sem compreender o milagre. Antes mesmo que eu pudesse falar, perguntar como foi, meu pai, quem a havia trazido, ria gostoso, sonoro, ria do meu susto, ria de nós todos, ria do papel ridículo que nós, seres humanos, fazemos quando complicamos as coisas. “Como? Como você encheu?” eu perguntava. Ele ria mais ainda. Era mesmo ridículo; ele a enchera com seu próprio ar. Como não pensamos nisso antes? Alguém nos disse que talvez a solução fosse uma bomba de bicicleta, ou talvez fosse isso, ou talvez aquilo. E por que nos baseamos nos achismos e opiniões de outras pessoas e limitamos nossos pensamentos e ações subseqüentes sem nem perguntar a nós mesmos o que achamos? Imersos na cultura da burocracia, complicamos quando podemos facilitar, perdemos tempo e muitas vezes dinheiro atrás de maneiras mirabolantes de resolver as coisas, com tanta seriedade, introspecção, peso nos ombros, quando a solução pode estar bem debaixo do nosso nariz. No caso do meu pai, era exatamente ali, debaixo do nariz, que estava a solução: sua boca, que soprou muito, mas muito ar para encher a gorducha. Na boca, em nosso próprio ar, em nosso próprio esforço, num sopro, numa inspiração, numa conversa com uma criança, num sorvete, numa ideia boba que ninguém ousou pensar; as soluções estão aí. O que a gente anda complicando na nossa vida?

Sara sorrindo deitada sobre a bola vermelha e com a cabeça para baixo; sobre sua barriga está sentado Giulio, seu sobrinho mais velho, também sorrindo e de mãos dadas com a tia.

4 comentários:

  1. Nada como a simplicidade. Realmente temos burocratizado e complicado a vida.
    Bjos Sara

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  2. "Adorei Sara! Muitas vezes vamos longe atrás de algo sendo que ele está aqui bem perto! Isto me lembra a história do livro "O Alquimista" do Paulo Coelho!!! Bjs pra vc!"

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  3. que beloooooo!!! Lindos

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  4. desculpa fuii eu q mandei o Tetê

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