


Giulio Garrone, meu sobrinho mais velho, aos 3 anos de idade, em ensaio fotográfico com os baldes. :)
O olhar é uma escolha. E você? O que seus olhos me mostrariam primeiro?
Para celebrar o olhar positivo, o olhar da beleza e do encanto, aí vai um presentinho pra vocês: o vídeo de uma canção composta por mim ano passado, com direito a tradução em Libras, desenho e muita poesia. Assistam a um dos vídeos mais lindos produzidos pela Vez da Voz! Com vocês, Gira e Só.
Sempre fui meio apegada a datas: “Hoje está fazendo um mês que cantei em tal lugar, amanhã faz um ano que conheci fulano, ontem fez quinze dias desde aquela festa...” Isso é bom, acaba me fazendo lembrar com facilidade os aniversários das pessoas queridas e outras datas importantes, mas por outro lado... datas de acontecimentos desastrosos também são lembradas. No dia em que minha visão se apagou de vez, intimamente pensei: “Todos os meses, neste mesmo dia, vou me lembrar desse dia e de toda a dor física que veio com ele.” No mês seguinte, inevitavelmente, constatei: “Hoje está fazendo exatamente um mês.” Passaram-se dois meses e lá estava eu de novo: “Hoje está fazendo dois meses.” Quando chegou o aniversário de três meses, cansei, e resolvi ressignificar a data. Então, no dia 6 de Junho de 2010 nasce o Boca no Mundo. E, quando a gente decide ressignificar, os novos significados vêm, e cada vez melhores.
No mesmo dia começava na Oficina dos Menestreis mais um curso-montagem da turma Mix, mas eu não sabia. Apenas uma semana depois foi que fiquei sabendo e caí lá de paraquedas, atrasadinha, eu, Izadora e minha camisa da seleção, como uma fiel filha do Brasil, sem nem saber ainda que peça montaríamos.
Bom, quando o blog fez um mês, lembrei que o apagão fazia quatro meses. Quando o blog fez dois meses, comemorei internamente. Ah, e me lembrei também que o apagão fazia cinco meses. Continuei comemorando os meses de vida do Boca, e quando me dei conta, tinha parado de contar os meses do apagão. E aí, outro dia, quando alguém me perguntou quantos meses já fazia de ausência de visão física, fui recalcular e... wal, dia 6 de Dezembro, dia da estreia do musical Filhos do Brasil com a turma Mix da Oficina dos Menestreis, faz exatamente nove meses; e está nascendo um bebezão lindo!
Hoje só tenho a comemorar, e uma emoção diferente me ilumina por estrear com uma galera cheia de energia e que só veio colorir este meu ano com muita alegria, paixão e ensinamentos. Foram dois meses de curso e quatro de montagem, com muito trabalho, esforço, diversão e bengaladas nas rodas das cadeiras! Quero agradecer aqui a Ana Paula, Tabs, Vans, Ceci, e cada um dos veteranos menestréis que me acolheu em sua casa, em sua amizade, em sua confiança, a Sandrinha e cada um que me fez companhia nas idas e vindas de metrô e nos banquinhos e lanchonetes do terminal Tietê na espera do meu Ônibus de volta pra casa, à Aninha, Ju, e todos da equipe, que unem o amor à arte à vontade de ajudar e estão com a gente, prontos pra qualquer parada, a Dulcinha, Gui, Cleu, e todos que me ensinam tanto sobre superação e esforço, a todo o pessoal da banda, ao Deto, Evelyn, Pat, Rica, Léo, pelo carinho e pelos desafios jogados na minha mão, pelas grandes ideias, por acreditarem na gente e por desenvolverem trabalhos como este. É muito bom estar com vocês e ser uma nova menestrel! Amo vocês! Ah, e merdão pra nós!!!
E quanto ao Boca, seis meses de vida; parabéns, e obrigada a vocês, queridos leitores, que dão a ele todo o sentido! A participação, os comentários, o incentivo, as sugestões são sempre muito importantes! Obrigada, obrigada, obrigada!! Meus beijos e abraços do tamanho do mundo
E viva a tecnologia! Cada vez mais avançada, cada vez mais desejada e consumida, cada vez mais venerada. Graças a ela estou aqui escrevendo pra vocês, graças a ela pessoas como eu podem também botar a boca no mundo e conectar-se a ele, via e-mail, redes sociais, blogs etc, graças a ela pessoas com as maiores limitações físicas conseguem autonomia para realizar muitas coisas não só junto a um computador. Quem visitou a feira de tecnologia assistiva no Rio de Janeiro, citada por mim no último texto aqui do Boca, conheceu cadeiras de roda que sobem escadas, dispositivos como o fantástico e tão desejado aparelhinho que vai permitir que pessoas com deficiência visual tenham independência na hora de tomar o ônibus, celular que, por meio da câmera, detecta luminosidade, cor e nota de dinheiro (ainda em desenvolvimento), leitores de tela com vozes cada vez mais “humanas”, dentre tantos outros aparatos que só vêm trazer mais dignidade à vida de pessoas com deficiência e que antes só existiam nos nossos sonhos mais ousados de tecnologia. Hoje são muitos os avanços e parecem infinitas as possibilidades, embora a maioria desses recursos ainda não seja financeiramente acessível para quase todas as pessoas. Mas não é nesse aspecto que quero mergulhar. Vou contar algo que, aliás, mostra que tecnologias simples e comuns, aliadas a uma boa idéia, muitas vezes são a melhor solução.
Quem leu aqui o texto que postei sobre Giovanni Allevi, um compositor italiano muito gente boa , lembra-se de seu livro, transcrito para o Braille, que eu me desafiei a ler. Pois então, o livro já chegou em minhas mãos, só que em outro formato. Ler um livro em Braille, código que ainda não domino tão bem, e ainda em italiano, me custaria aí talvez uns três anos de peleja. Mas nem foi isso que me fez pensar em outra forma de ler este livro. Os livros em Braille ficam bastante volumosos, e, devido ao peso, sairia muito cara a remessa da Itália para cá. Então minha correspondente no país de Allevi, minha irmã Leda Bentes, comprou o livro impresso e, com o auxílio de um simples mp3 player e gravador, tem gravado sua leitura em voz alta e me manda capítulo a capítulo via e-mail. Baixo os arquivos daqui e tenho me emocionado, rido e chorado com as histórias narradas pela leitura fluida e expressiva da maninha mais velha. A ledora não é tradutora, então os textos estão todos em italiano, o que ainda poderá servir a italianos com deficiência visual se este livro falado for disponibilizado numa audioteca de lá, e é nossa intenção. Há tempos a tecnologia permite a produção e a difusão do Livro Falado; começou com a fita cassete, depois o CD e agora os arquivos digitais, que são muito mais facilmente produzidos, copiados, distribuídos e transportados. E vejam vocês: graças a ela mais uma vez, à tecnologia, minha irmã, que inclusive foi quem, via Skype, ajudou na criação e montagem do blog, lá da Itália, consegue se fazer presente e estar tão próxima a quilômetros e quilômetros, com sua voz, seu tempo, sua doação, sua boa vontade.
Assim como iniciei o texto, quero abrir sua conclusão: Viva a tecnologia! Sim, mas viva mais ainda a boa vontade humana. Ela, que chegou primeiro no mundo, merece respeito, e, ao lado da tecnologia, sua irmãzinha mais nova, torna-se muito mais poderosa e abrangente. Mas a caçulinha tecnologia, sem sua irmã mais velha, não é ninguém nessa vida. Ela se acha, vive a ilusão de que pode um dia dominar o mundo, mas a verdade é que ela é tão dependente da inteligência humana quanto nós, seres humanos, somos uns dos outros e de toda a natureza. Que vivam então inseparáveis essas duas irmãs, só produzindo boas parcerias! Obrigada, maninha!
Na semana passada aconteceu na cidade maravilhosa a 2° Feira Muito Especial de Tecnologia Assistiva e Inclusão Social das Pessoas com Deficiência do Rio de Janeiro. O interessse pelos produtos e serviços apresentados na feira é cada vez maior, e o público deste ano foi incrível, muito grande e participativo. Um dos estandes mais procurados foi o Jardim Sensorial, e eu tive a sorte de trabalhar lá e fazer parte desse jardim por algumas tardes. O jardim Sensorial é um circuito itinerante de plantas onde guias com deficiência visual conduzem os visitantes, vendados, proporcionando a eles um contato diferente com flores, folhas, frutos, e com seus próprios sentidos. Com a venda, as pessoas concentram maior atenção no tato, olfato e audição, e até outros tipos de percepções, despertando assim para novas formas de “ver”. Além de experimentar um pouco do mundo da ausência de visão, o público também recebe informações sobre cada plantinha que toca, cheira, sente.
Foi minha primeira experiência no Jardim Sensorial. O contato com os diversos aromas, texturas, formas e temperaturas, tão vivos e ricos, foi extremamente prazeroso também a mim, que guiava os corajosos que topavam entregar sua integridade física a guias cegas. Ensinando a eles que aquelas plantas não eram só tempero ou enfeite e explicando sobre as propriedades curativas de cada um daqueles serezinhos ali, passávamos também informações históricas e etimológicas. As pessoas guiadas saíam em geral muito emocionadas, divertidas e mais interessadas pelas plantas. Algumas não nos viam antes de colocar a venda e se surpreendiam ao saber, no meio do caminho, que estavam sendo guiadas por alguém que não enxergava. Não sei se no fundo chegavam a se arrepender de terem entrado naquela furada :D mas pelo menos ninguém tirou a venda no meio do trajeto e nem demonstrou mais medo ou insegurança por isso. Pelo contrário, a surpresa tinha sempre um efeito positivo, e certamente fez muita gente pensar, em seus próprios conceitos, nos conceitos pré-concebidos do mundo. Todos saíam satisfeitos e levavam para a casa algo além do aprendizado sobre as plantas, além dos perfumes nos dedos e do frescor nos pulmões. E dar este algo a mais às pessoas é nossa alegria! Durante as repetidas e repetidas vezes que guiei as pessoas pelo percurso, eu aproveitava para também cheirar e acariciar as plantas, que me davam tanta coisa em troca. Para mim, o contato com plantas e pessoas foi uma combinação encantadora e também só veio somar à minha vida.
Para saber mais sobre a feira e o jardim, visite: http://www.feiraassistivario2010.org.br
Pessoaaaaaaal! Hoje é um dia mais que especial, pois hoje estréia a primeira foto do blog! Pois é, blog de cego também tem foto. Parece que os desenvolvedores do blogger ainda não entenderam que nós também nos interessamos pelo mundo da imagem, já que vivemos nele, e ainda não tornaram acessíveis para os leitores de tela alguns botões do blog, como os de postar foto e vídeo. É por isso que ainda não tinha pintado nenhuma fotinha por aqui. E hoje, depois de muito procurar uma alternativa, consegui a façanha com a ajudinha de um editor de blogs do Windows. Os botões do blog continuam inacessíveis, mas essa discussão a gente deixa pra outro dia. O importante é que hoje temos uma fotografia, que ilustra um daqueles momentos da vida que valem por mil.
Para os colegas de apagão, aí vai a descrição da foto: à direita eu (de cabelos escovados, aiai), e à esquerda uma moça negra que vocês já saberão quem é. Estamos sorrindo, cada uma com um sorrisão maior que o da outra, e estamos erguendo uma das mãos de forma parecida, fechada e perto do rosto. A foto foi tirada na sede brasileira do projeto Solar Ear, em São Paulo. Bom, mas vamos começar do começo: Tudo começou quando um canadense chamado Howard Weinstein perdeu sua filha adolescente no meio da noite, sem nenhum aviso prévio, nenhum sintoma, nenhuma doença. Por acaso ela se chamava Sara. Arrasado, Howard repensou sua vida e resolveu ir para a África e lá fazer trabalhos humanitários. Na escola onde ele passou a trabalhar, foi incumbido de providenciar um aparelho auditivo a uma aluna surda. Por acaso ela também se chamava Sara. Ele se mobilizou para conseguir o aparelho e, ao pegar os dados da aluna para preencher algum tipo de cadastro na hora da aquisição, descobriu que ela nascera no mesmo dia, mesmo mês e mesmo ano de sua filha Sara. É no mínimo de arrepiar, não? Pois é, e Howard viu nisso muito mais que uma coincidência e interpretou o sinal da melhor forma que podia interpretar. Junto de Sara, ele desenvolveu uma tecnologia de carregadores de bateria de aparelho auditivo que utiliza a energia solar. Ali nascia o Solar Ear, que produz aparelhos de baixo custo e econômicos também para o meio ambiente. Outro diferencial do projeto é que a mão de obra na fabricação é de jovens surdos. O projeto tem se espalhado por diversos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, e é a própria Sara quem viaja a esses países ensinando aos outros surdos a tecnologia do Solar Ear.
É claro que o Telelibras foi conferir de perto este projeto encantador. E, para nossa alegria, Sara estava lá, trabalhando e treinando algumas moças surdas brasileiras, em sua última semana no país. Que sorte a nossa! Eu me sentia muito feliz e grata pela oportunidade de conhecer pessoalmente aquela criatura que carrega o mesmo nome meu e que é um instrumento divino de ressignificação não só na vida de Howard, mas na dos surdos mundo a fora (aproximadamente 278 milhões). Como eu queria expressar a ela essa felicidade e essa emoção. Mas eu não a enxergava e ela não me ouvia, eu não falava a língua dela e ela não falava a minha, aparentemente só o nosso nome igual quebrava aquele cenário de diferenças e todas as barreiras possíveis na comunicação. Mas espera aí, sempre há de existir uma solução...
Quando me perguntam por que eu, estando cega, quero aprender a Libras, língua dos surdos, digo que quero poder me comunicar com qualquer pessoa do meu país, independente de qual seja sua língua. O que eu não imaginava era que, poucas semanas após ter iniciado oficialmente meus estudos da língua brasileira de sinais, eu a usaria para me comunicar com uma pessoa tão especial, e que nem é do meu país. É que a mocinha africana é muito inteligente e, em oito meses no Brasil, ficou fluente na nossa língua de sinais. (Ao contrário do que muita gente pensa, a língua de sinais não é universal, cada país tem a sua. No Brasil, a Libras é uma língua reconhecida, e tão oficial quanto o português, e, pensando bem, ainda mais genuinamente brasileira, pois diferentemente do português, nasceu em território nacional.) “Mas como, Sara? Como uma pessoa que não enxerga vai ver os sinais que o surdo faz?” as pessoas querem saber. E é aí que entra um dos sentidos mais poderosos do ser humano: o tato. As pessoas surda-cegas, como foi a famosa Helen Keller, usam diversos métodos de comunicação, todos baseados no tato. No Brasil, um deles é a Libras Tátil. Comigo funciona da mesma maneira, toco nas mãos do meu interlocutor surdo e desvendo seus sinais acompanhando seus movimentos. E foi assim, com essa dança a quatro mãos rompendo o silêncio e a escuridão, que qualquer barreira entre mim e minha xará de Botsuana foi quebrada. Meu conhecimento de Libras ainda é bem básico, mas com a ajudinha do meu querido amigo, e professor de Libras, Fabiano Campos, intérprete presente no momento, pude trocar com ela algumas palavrinhas, ou alguns sinaizinhos, e expressar, diretamente a ela, minha satisfação em conhecê-la. Na foto, o sinal que fazemos com as mãos é o S, de Saras.
Para conhecer mais sobre o Solar Ear acessem: http://www.solarear.com.br